quinta-feira, julho 28, 2011

Você sente remorso quando está ‘a toa’?


Se respondeu com um sim a pergunta acima, eis um sinal que merece atenção.

Ultimamente venho ouvindo no dia a dia e também de pacientes no consultório que eles têm pouco tempo para dar conta de muitas coisas.

As mulheres, inclusive, com o fato da maioria atualmente se dividirem entre mãe, esposa e profissional, vive o seu dia pensando em tudo que precisa fazer, o relatório para o chefe, a apresentação dos resultados para a reunião de mais tarde, comparecer a reunião do filho na escola, ao sair de lá buscar a filha no curso de idiomas, passar no mercado para comprar algo para o jantar e ainda deve lembrar-se de cuidar do cabelo e unhas, pois no dia seguinte tem um evento importante!

E se a mulher não é casada, nem mãe, têm aquelas que se dividem em dois empregos, estuda, malha, namora, cuida da família entre outras atividades...

Não que o homem também não se veja ‘atolado’ de tarefas, mas percebo que as mulheres no geral vivem mais estressadas com tudo que precisa dar conta, até porque embora hoje elas estão inseridas no mercado de trabalho e muitas até atingiram o seu objetivo de se ver tratada de ‘igual para igual’, o que seria outra discussão esse tema... Bom, voltando... a mulher tende a se cobrar muito, em provar que da conta, que sabe fazer bem feito tudo que se compromete a fazer e sabemos que acaba fazendo mesmo!

A cobrança maior é de si própria!

Mas, segundo uma pesquisa recente feita pela PUC-Campinas, muita gente tem vivido a síndrome da pressa.

As pessoas desejam que o dia tenha mais horas para poder conseguir concluí-lo com a sensação de missão cumprida. Num post anterior cheguei a discorrer sobre isso... Não será o fato do dia ter 30 horas ao contrário de 24 que fará com que a pressão interna acabe! Pois, quanto mais tempo livre que vir a ter, mais autocobrança fará e logo encontrará mais tarefas para executar.

Na pesquisa da PUC-Campinas foi perceptível que o comportamento existe entre ambos os sexos.

Então caro leitor se você vive ansioso, apressado, termina o dia insatisfeito por não ter feito tudo que pretendia, deita na cama e fica pensando, programando o dia, semana, mês seguinte, logo terá noites, dias conturbados em meio a tanta cobrança, o que acaba influenciando nas necessidades básicas fisiológicas, tais como: boa noite de sono e alimentação equilibrada, também no lazer, descanso e logo sua saúde estará mais afetada!

Se está sem fazer nada no dia de folga e fica com remorso por estar a toa, preste bem a atenção a esse sinal e cuide de ti, que és o bem mais precioso! Sem cuidados, sem descanso, não será possível executar nada de forma eficaz e gratificante!

Pense Nisso!

Deise Barreto.

terça-feira, julho 26, 2011

O que é resistência em Psicanálise? Por Lucas Napoli.

Sigo o blog do Lucas Napoli, adoro os artigos dele e ele foi muito feliz neste sobre resistência. Vale a pena conferir!


Conservo na memória lembranças muito divertidas da minha época de estudante de Psicologia. Uma delas tem a ver precisamente com a noção que tentarei explicar neste texto.

Quando ficou claro para a maior parte de meus colegas que eu escolhera peremptoriamente a teoria psicanalítica como método de compreensão e intervenção nos fenômenos psicológicos, aqueles que haviam feito a opção por outras linhas de trabalho se alegravam de maneira sarcástica em me provocar com a sentença mordaz: “Isso deve ser resistência.”. Subliminarmente, objetivavam com isso dizer que o conceito de resistência era uma espécie de desculpa esfarrapada utilizada pelos analistas para se preservarem quanto à responsabilidade por seus fracassos terapêuticos. Em outras palavras, o argumento de meus colegas era o de que, por exemplo, todas as vezes que um paciente não quisesse continuar um processo analítico, o analista estaria isento de responsabilidade quanto a isso, pois a motivação para a evasão do paciente seria sua resistência ao tratamento. Como eu não tenho nenhum compromisso com a “preservação” da psicanálise – pois eu apenas utilizo o ensino de Freud e dos demais autores; não os cultuo – não procurava defender-me daqueles irônicos ataques. Pelo contrário, a ignorância ressentida de meus colegas me fazia dar boas gargalhadas. De fato, o que eles diziam não era totalmente falso.

Muitos analistas se refugiam no conceito de resistência para se defenderem do reconhecimento das próprias falhas. No entanto, obviamente essa não é a regra. Na maioria das vezes, os analistas fazem uso apropriado do conceito que, como veremos abaixo, serve para caracterizar uma série de eventos em análise que manifesta um fenômeno paradoxal descoberto por Freud.

A resistência como parteira da psicanálise


Apesar de Lacan não ter considerado o conceito de resistência como fundamental – para ele, os quatro conceitos fundamentais da psicanálise eram inconsciente, pulsão, transferência e repetição – Freud dizia que a condição teórica para que alguém pudesse ser reconhecido como psicanalista seria o reconhecimento, no tratamento, da existência dos fenômenos da transferência e da resistência. Por que o pai da psicanálise considerava o discernimento da resistência como elemento necessário para um tratamento genuinamente psicanalítico?

Porque foi o reconhecimento da resistência o pivô da transformação do método catártico em método psicanalítico. O leitor versado na história da psicanálise sabe que Freud utilizou dois métodos terapêuticos antes de inventar a psicanálise: a hipnose e a catarse. Em ambos, o princípio que guiava o trabalho do médico era o mesmo: fazer sair do paciente os venenos psíquicos que estavam na gênese de seus sintomas. Esse procedimento efetivamente funcionou durante algum tempo, mas logo Freud se apercebeu de que ele não era suficiente. Isso aconteceu por uma razão no mínimo paradoxal: os pacientes não queriam por seus venenos para fora!

O aparelho psíquico parecia funcionar de uma maneira distinta do corpo. Enquanto o organismo se esforça para expelir através de vômitos, diarréia e outros sintomas uma substância tóxica ingerida, o psiquismo parecia apresentar uma… resistência a livrar-se de seus conteúdos venenosos. Ao discernir essa curiosa característica do aparelho psíquico, Freud abandona a hipnose e o método catártico, pois percebe que não adiantava forçar a barra e tentar quebrar a resistência brutalmente. Era preciso criar um método capaz de compreender por que há resistência, de modo a “convencer” o aparelho psíquico a renunciar a ela. Nasce, assim, o método psicanalítico.

Por que há resistência?

Aplicando a psicanálise, Freud descobre de fato as razões pelas quais o aparelho psíquico resiste a lançar para fora seus conteúdos tóxicos. Trata-se da descoberta da divisão subjetiva. Diferentemente do organismo, o psiquismo não é uno, não é integral. Pelo contrário, é dividido, fragmentado, de modo que aquilo que em uma esfera psíquica é reconhecido como veneno, em outra é tido como uma saborosa sobremesa. Essa ambivalência e ambigüidade amiúde não são reconhecidas pelo sujeito, pois seus sintomas mantêm tudo numa homeostase doentia. Em outras palavras, o sujeito “conserva” sua inteireza psíquica à custa de sua doença. A ação do psicanalista vai na contramão desse processo. A análise vai levar o paciente à constatação de que seus sintomas são, na verdade, a manifestação patológica, doentia, sofrida de um desejo que não pôde ser reconhecido, que não pôde ser encarado de frente. Em suma, a análise vai levar ao paciente à compreensão de que ele não sabe nem a metade da missa que é; vai levá-lo ao reconhecimento de que é um ser ambíguo, ambivalente, dividido, radicalmente distinto daquele ser inteiro e consciente que acreditava ser. Nesse processo, o analisante vai descobrir coisas não muito agradáveis a respeito de si. Aliás, o próprio fato de constatar o desconhecimento em relação a si mesmo já é profundamente angustiante. A análise o levará ao reconhecimento de pulsões que jamais esperaria encontrar em si, de modo que ele será levado a admitir que os venenos psíquicos dos quais quer se livrar são, na verdade, preciosidades que guarda com muita satisfação…

Pois bem, ninguém se livra de preciosidades sem impor alguma resistência. E não importa se essas preciosidades matam. Todos os toxicômanos estão aí para testemunhar a veracidade dessa afirmação. O analista é aquele ser filho do desejo de Freud que quer trazer essas preciosidades venenosas à luz, tirá-las das caixinhas em que as guardamos. Mas nós não queremos a luz. Temos medo de reconhecer para nós mesmos que somos colecionadores dessas preciosidades. Temos medo do que nós podemos pensar sobre nós mesmos: “O que o meu ego dirá quando eu lhe mostrar essas preciosidades?”

É por esse medo que as guardamos no sótão da alma. É por esse medo que resistimos, medo de experimentar essa angústia de reconhecer que minhas preciosidades não serão reconhecidas como tais por todos os pedaços de mim que me habitam.

Lucas Nápoli é psicanalista, graduado em Psicologia pela Universidade Vale do Rio Doce (Univale) e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Blog: http://lucasnapoli.wordpress.com/

segunda-feira, julho 18, 2011

Grupo de Estudo sobre a teoria kleiniana, iniciando pelos princípios básicos da obra de Freud, que fundamentaram as idéias de Melanie Klein.


Início:
05/08/2011 - Horário: sexta-feira das 10h:30 às 11h:30hs
Número de vagas: 05
Informações pelo tel.: 2441-0043 ou 2295-0579
Local: Rua Dr. Epitácio Pessoa, 456-Jd. Sta. Francisca, Guarulhos
Coordenação: Liegem Acioli Gritti. Psicóloga, Psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientiae. Especialista em Psicoterapia Psicodinâmica Infantil pelo Instituto Sedes Sapientiae. Especialista em Psicoterapia Psicanalítica pela USP. Mestre em Psicologia da Saúde. Membro fundador do Setting Estudos em Psicanálise.

sexta-feira, julho 15, 2011

CURSO: DEPRESSÕES (27/08 a 08/10/2011).


Os tipos e causas das depressões são múltiplas e diferentes. Estudos mais discriminados das formas clínicas deste tipo de sofrimento humano foram feitos por vários autores como Winnicott, Pierre Fédida, Julia Kristeva, Antonio Marcos de Coimbra entre outros, que a partir de suas experiências clinicas nos legaram novos matizes para os postulados originais de Freud e Melanie Klein.

Tendo em vista que a depressão é considerada a quinta maior questão de saúde pública do mundo, este desafio que a nova psicopatologia representa para a clínica psicanalítica atual é muito grande.
Este curso tem a intenção de transitar no caminho que vai de Freud a Winnicott, da clínica à teoria e da teoria à clínica.

Inicio: 27/08/2011 - Término: 08/10 /2011
Horário: sábado das 12 às 14hs
Número de vagas: 20
Custo:
Estudantes: 4 parcelas de R$ 100,00
Profissionais: 4 parcelas de R$ 130,00

Informações pelo tel.: 2441-0043 das 13h às 20h.
Inscrições no local: Rua Dr. Epitácio Pessoa, 456-Jd. Sta. Francisca - Guarulhos - SP.
Carga horária: 12h

Coordenação: Liegem Acioli Gritti. Psicóloga, Psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientiae; Especialista em Psicoterapia Psicanalítica de Crianças pelo Instituto Sedes Sapientiae; Especialista em Psicoterapia Psicanalítica pela USP; Mestre em Psicologia da Saúde. Membro fundador do Setting Estudos em Psicanálise.

quarta-feira, julho 13, 2011

Meu filho, você não merece nada. Por ELIANE BRUM.


A crença de que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais preparada.

Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.


Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.


Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.


Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.


Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.


É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?


Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.


Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.


Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.


A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.


Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.


Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.


Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.


Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.


O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.


Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.


Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.


Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.


Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba.


(Eliane Brum escreve às segundas-feiras na Revista Época.)
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca

ELIANE BRUM
Jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo).
E-mail: elianebrum@uol.com.br
Twitter: @brumelianebrum

quarta-feira, julho 06, 2011

As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo...


Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho para sempre.

As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo, fica do mesmo jeito a vida inteira.

São pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosa.

Só que elas não percebem e acham que seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.

Mas, de repente, vem o fogo.
O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos: a dor.

Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, o pai, a mãe, perder o emprego ou ficar pobre.

Pode ser fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão ou sofrimento, cujas causas ignoramos.

Há sempre o recurso do remédio: apagar o fogo!

Sem fogo o sofrimento diminui. Com isso, a possibilidade da grande transformação também.

Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro cada vez mais quente, pensa que sua hora chegou: vai morrer.

Dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar um destino diferente para si.

Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada para ela.

A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz.

Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo a grande transformação acontece: BUM!

E ela aparece como uma outra coisa completamente diferente, algo que ela mesma nunca havia sonhado.

Bom, mas ainda temos o piruá, que é o milho de pipoca que se recusa a estourar.

São como aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem.

A presunção e o medo são a dura casca do milho que não estoura. No entanto, o destino delas é triste, já que ficarão duras a vida inteira.

Não vão se transformar na flor branca, macia e nutritiva. Não vão dar alegria para ninguém.

Autoria de Rubem Alves (extraído do livro "O amor que acende a lua", de Rubem Alves - Editora Papirus).