sábado, abril 30, 2011

Bullying Escolar por Cleodelice Aparecida Zonato Fante.


O Bullying Escolar sempre existiu e os impactos refletidos ainda hoje em adultos. Os estudos são recentes e finalmente pais, profissionais da educação e da saúde tem se preocupado com essa realidade que desestrutra crianças, adolescentes e também adultos. Vale a pena conferir o texto abaixo!

Na atualidade, um dos temas que vem despertando cada vez mais, o interesse de profissionais das áreas de educação e saúde, em todo o mundo, é sem dúvida, o do bullying escolar. Termo encontrado na literatura psicológica anglo-saxônica, que conceitua os comportamentos agressivos e anti-sociais, em estudos sobre o problema da violência escolar.
Sem termo equivalente na língua portuguesa, define-se universalmente como “um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, adotado por um ou mais alunos contra outro(s), causando dor, angústia e sofrimento”. Insultos, intimidações, apelidos cruéis e constrangedores, gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos, levando-os à exclusão, além de danos físicos, psíquicos, morais e materiais, são algumas das manifestações do comportamento bullying.
O bullying é um conceito específico e muito bem definido, uma vez que não se deixa confundir com outras formas de violência. Isso se justifica pelo fato de apresentar características próprias, dentre elas, talvez a mais grave, seja a propriedade de causar “traumas” ao psiquismo de suas vítimas e envolvidos. Possui ainda a propriedade de ser reconhecido em vários outros contextos, além do escolar: nas famílias, nas forças armadas, nos locais de trabalho (denominado de assédio moral), nos asilos de idosos, nas prisões, nos condomínios residenciais, enfim onde existem relações interpessoais.
Estudiosos do comportamento bullying entre escolares identificam e classificam assim os tipos de papéis sociais desempenhados pelos seus protagonistas: “vítima típica”, como aquele que serve de bode expiatório para um grupo; “vítima provocadora”, como aquele que provoca determinadas reações contra as quais não possui habilidades para lidar; “vítima agressora”, como aquele que reproduz os maus-tratos sofridos; “agressor”, aquele que vitimiza os mais fracos; “espectador”, aquele que presencia os maus-tratos, porém não o sofre diretamente e nem o pratica, mas que se expõe e reage inconscientemente a sua estimulação psicossocial.
Trata-se de um problema mundial, encontrado em todas as escolas, que vem se disseminado largamente nos últimos anos e que só recentemente vem sendo estudado em nosso país. Em todo o mundo, as taxas de prevalência de bullying, revelam que entre 5% a 35% dos alunos estão envolvidos no fenômeno. No Brasil, através de pesquisas que realizamos, inicialmente no interior do estado de São Paulo, em estabelecimentos de ensino públicos e privados, com um universo de 1.761 alunos, comprovamos que 49% dos alunos estavam envolvidos no fenômeno. Desses, 22% figuravam como “vítimas”; 15% como “agressores” e 12% como “vítimas-agressoras”.
Segundo especialistas, as causas desse tipo de comportamento abusivo são inúmeras e variadas. Deve-se à carência afetiva, à ausência de limites e ao modo de afirmação de poder e de autoridade dos pais sobre os filhos, por meio de “práticas educativas” que incluem maus-tratos físicos e explosões emocionais violentas. Em nossos estudos constatamos que 80% daqueles classificados como “agressores”, atribuíram como causa principal do seu comportamento, a necessidade de reproduzir contra outros os maus-tratos sofridos em casa ou na escola. Em decorrência desse dado extremamente relevante, nos motivamos em pesquisas e estudos, que nos possibilitou identificar a existência de uma doença psicossocial expansiva, desencadeadora de um conjunto de sinais e sintomas, a qual denominamos SMAR - Síndrome de Maus-tratos Repetitivos.
O portador dessa síndrome possui necessidade de dominar, de subjugar e de impor sua autoridade sobre outrem, mediante coação; necessidade de aceitação e de pertencimento a um grupo; de auto-afirmação, de chamar a atenção para si. Possui ainda, a inabilidade de expressar seus sentimentos mais íntimos, de se colocar no lugar do outro e de perceber suas dores e sentimentos.
Esta Síndrome apresenta rica sintomatologia: irritabilidade, agressividade, impulsividade, intolerância, tensão, explosões emocionais, raiva reprimida, depressão, stress, sintomas psicossomáticos, alteração do humor, pensamentos suicidas. É oriunda do modelo educativo predominante introjetado pela criança na primeira infância. Sendo repetidamente exposta a estímulos agressivos, aversivos ao seu psiquismo, a criança os introjeta inconscientemente ao seu repertório comportamental e transforma-se posteriormente em uma dinâmica psíquica “mandante” de suas ações e reações. Dessa forma, se tornará predisposta a reproduzir a agressividade sofrida ou a reprimi-la, comprometendo, assim, seu processo de desenvolvimento social.
As conseqüências para as “vítimas” desse fenômeno são graves e abrangentes, promovendo no âmbito escolar o desinteresse pela escola, o déficit de concentração e aprendizagem, a queda do rendimento, o absentismo e a evasão escolar. No âmbito da saúde física e emocional, a baixa na resistência imunológica e na auto-estima, o stress, os sintomas psicossomáticos, transtornos psicológicos, a depressão e o suicídio.
Para os “agressores”, ocorre o distanciamento e a falta de adaptação aos objetivos escolares, a supervalorização da violência como forma de obtenção de poder, o desenvolvimento de habilidades para futuras condutas delituosas, além da projeção de condutas violentas na vida adulta. Para os “espectadores”, que é a maioria dos alunos, estes podem sentir insegurança, ansiedade, medo e estresse, comprometendo o seu processo socioeducacional.
Este fenômeno comportamental atinge a área mais preciosa, íntima e inviolável do ser, a sua alma. Envolve e vitimiza a criança, na tenra idade escolar, tornando-a refém de ansiedade e de emoções, que interferem negativamente nos seus processos de aprendizagem devido à excessiva mobilização de emoções de medo, de angústia e de raiva reprimida. A forte carga emocional traumática da experiência vivenciada, registrada em seus arquivos de memória, poderá aprisionar sua mente a construções inconscientes de cadeias de pensamentos desorganizados, que interferirão no desenvolvimento da sua autopercepção e auto-estima, comprometendo sua capacidade de auto-superação na vida.
Dependendo do grau de sofrimento vivido pela criança, ela poderá sentir-se ancorada a construções inconscientes de pensamentos de vingança e de suicídio, ou manifestar determinados tipos de comportamentos agressivos ou violentos, prejudiciais a si mesma e à sociedade, isto se não houver intervenção diagnóstica, preventiva e psicoterápica, além de esforços interdisciplinares conjugados, por toda a comunidade escolar. Nesse sentido podemos citar as recentes tragédias ocorridas em escolas, como por exemplo, Columbine (E.U.A.); Taiuva (SP); Remanso (BA), Carmen de Patagones (ARG) e Red Lake (E.U.A.).
Esta forma de violência é de difícil identificação por parte dos familiares e da escola, uma vez que a “vítima” teme denunciar os seus agressores, por medo de sofrer represálias e por vergonha de admitir que está apanhando ou passando por situações humilhantes na escola ou, ainda, por acreditar que não lhe darão o devido crédito. Sua denúncia ecoaria como uma confissão de fraqueza ou impotência de defesa. Os “agressores” se valem da “lei do silêncio” e do terror que impõem às suas “vítimas”, bem como do receio dos “espectadores”, que temem se transformarem na “próxima vítima”.
Algumas iniciativas bem sucedidas vem sendo implantadas em escolas dos mais diversos países, na tentativa de reduzir esse tipo de comportamento. De forma pioneira no país, implantamos um programa antibullying, denominado de “Programa Educar para a Paz”, por nós elaborado e desenvolvido, em uma escola de São José do Rio Preto. Como resultado, obtivemos índices significativos de redução do comportamento agressivo e expressiva melhora nas relações entre alunos e professores, além de melhorias no desempenho escolar. O resultado das pesquisas iniciais, que detectava em torno de 26% de vitimização, já no segundo semestre de implantação do programa caiu para 10%; e após dois anos, o resultado mostrava que havíamos chegado a patamares toleráveis, com índices de apenas 4% de vitimização.
O “Programa Educar par a Paz”, pode ser definido como um conjunto de estratégias psicopedagógicas que se fundamenta sobre princípios de solidariedade, tolerância e respeito às diferenças. Recebeu esse nome por acreditarmos que a paz é o maior anseio das crianças envolvidas no fenômeno, bem como de toda a sociedade. Envolve toda a comunidade escolar, inclusive os pais e a comunidade onde a escola está inserida. As estratégias do programa incluem o trabalho individualizado com o envolvidos em bullying – visando à inclusão e o fortalecimento da auto-estima das “vítimas” e a canalização da agressividade do “agressor” em ações pro-ativas – bem como o envolvimento de toda escola, pais e a comunidade em geral.
Grupos de “alunos solidários” atuam como “anjos da guarda” daqueles que apresentam dificuldades de relacionamento, dentro e fora da escola. Grupos de “pais solidários” auxiliam nas brincadeiras do recreio dirigido, junto aos “alunos solidários”. A interiorização de valores humanistas, bem como a discussão de “situações-problema” de cada grupo-classe, são estratégias que visam a educação das emoções, sendo desenvolvidas semanalmente, durante o encontro entre os tutores e suas turmas. Ações solidárias em prol de instituições filantrópicas são objetivos comuns a serem alcançados pela escola e comunidade.
Acreditamos que se existe uma cultura de violência, que se dissemina entre as pessoas, podemos disseminar uma contracultura de paz. Se conseguirmos plantar nos corações das crianças as sementes da paz – solidariedade, tolerância, respeito ao outro e o amor -, poderemos vislumbrar uma sociedade mais equilibrada, justa e pacífica. Construir um mundo de paz é possível, para isso, deve-se primeiramente construí-lo dentro de cada um de nós.
O Programa Educar para a Paz, vem sendo implantado em inúmeras escolas de todo o país, por ser de fácil adaptação à realidade escolar e por apresentar resultados, num curto espaço de tempo da sua implantação. Atualmente, promovemos cursos de formação de multiplicadores do Programa, atendendo tanto à rede particular de ensino como a pública, além de cursos de pós-graduação, com fundamentação em Psicanálise e Inteligência Multifocal. Em decorrência do contato direto com profissionais de educação, detectamos um dado surpreendente: é expressivo o número de profissionais que foram envolvidos pelo fenômeno quando estudantes e que trazem consigo suas conseqüências.
Por constatarmos altos índices de sintomas de stress entre eles, incluímos no Programa, o cuidado com a saúde emocional e o controle do stress. Acreditamos que pessoas saudáveis educam, crianças saudáveis. Nossa equipe atua sob supervisão psicológica e é composta por pedagogos e psicólogos.

Cleodelice Aparecida Zonato Fante - Doutoranda em Ciências da Educação pela Universidade de Ilhas Baleares, Espanha. Pesquisadora do Bullying Escolar. Autora do Programa Educar para a Paz. Conferencista.

sexta-feira, abril 29, 2011

A dor da rejeição.


Um estudo recente chegou a conclusão de que a dor física e sentimentos intensos de rejeição social podem "machucar" de forma bastante parecida.

Foi demonstrado que as mesmas regiões cerebrais são ativadas em resposta a experiências sensoriais dolorosas e em intensas experiências de rejeição social.

Quais os limites entre a dor física e a emocional?

O artigo foi publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, e seu principal autor é Ethan Kross, da University of Michigan. Ele comenta: "Em resumo, derramar um copo de café quente sobre si mesmo e pensar sobre como você se sente rejeitado quando você olha para a imagem de uma pessoa que você experimentou recentemente, um indesejado rompimento de relações parece suscitar diferentes tipos de dor. Mas essa pesquisa mostra que elas podem ser mais similares do que pensamos inicialmente".

Os dois tipos de experiência ativam as regiões do cortex somatosensorial secundário e a insula dorsal posterior. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores recrutaram 40 pessoas que experimentaram um rompimento romântico indesejado nos últimos seis meses, e que se diziam se sentir intensamente rejeitadas com o rompimento. Cada participante completou duas tarefas no estudo: um relacionado a seus sentimentos de rejeição e outro à sensações de dor física.

Durante a tarefa da rejeição, os participantes viam uma foto do ex e eram instruídos a pensar em como se sentiram durante o rompimento ou viam uma foto de um amigo e tinham de pensar sobre uma experiência positiva recente que tiveram com a pessoa.

Durante a tarefa de dor física, um aparelho de estimulação térmica era anexado ao antebraço esquerdo dos participantes. Em alguns testes, o aparelho fazia um estímulo doloroso, mas tolerável, semelhante a experiência de segurar uma xícara de café bem quente. Em outros, lançava apenas estimulação quente não-dolorosa.

Enquanto eles cumpriam tais tarefas, eles eram examinados por Ressonância
Magnética. Os pesquisadores analisaram os exames, focando-se no cérebro como um todo e em várias regiões de interesse identificadas em estudos anteriores sobre dor física. Eles também compararam os resultados do estudo a um banco de dados de mais de 500 estudos anteriores de ressonância magnética de respostas do cérebro à dor física, emoção, memória de trabalho, mudança de atenção, memória de longo prazo e resolução de interferências.

A equipe que realizou a pesquisa espera que os resultados ofereçam novos insights sobre como a experiência de perda social intensa pode levar a vários sintomas de dor física e transtornos mentais. E eles apontam que os resultados afirmam a sabedoria das culturas ao redor do mundo que usam a mesma palavra ("dor") para descrever a experiência tanto para a dor física quanto a rejeição social.

Achei esse estudo bastante interesse, pois a área da psicossomática precisa ser muito explorada ainda, e essa pesquisa trouxe dados bem ricos sobre isso. As interações entre as emoções e o corpo ainda são repletas de mistérios. Essa pesquisa mostra que talvez as dores físicas e as "dores da alma" estejam bem mais próximas do que imaginamos.

Gabriele Albuquerque no Blogspot.
FONTE: Physorg.

O que é Psicoterapia? Por Deise Barreto.


Ainda é muito comum pessoas confundirem psicoterapia com outros tipos de terapia, tais como: Florais de Bach, Fitoterapia Chinesa, Terapia Holística entre outras.

Ouvimos também as pessoas dizerem que para conversar servem os amigos, entre outras pessoas que demonstram confiança, no entanto, psicoterapia é diferente de um bate papo entre amigos ou de terapias alternativas. Psicoterapia não é um bate papo.

Claro que não estou aqui para julgar qualquer tipo de terapia ou ferramentas que as pessoas buscam para atingir um objetivo, se tratar!

Mas, espero esclarecer o que é a PSICOTERAPIA.

Psicoterapia é um método de tratamento realizado por um psicólogo clínico preparado tecnicamente. O psicólogo durante sua formação e cursos de especializações adquire subsídios, embasamento teórico e técnico para tal competência.
A "conversa" que ocorre entre paciente e terapeuta dentro de um setting terapêutico é voltada para uma finalidade primordial, promover, preservar ou prevenir a saúde mental do paciente.

Lidamos ao longo da nossa vida com inúmeros conflitos, desde o nosso nascimento que já é um trauma, vamos passando por momentos, situações onde podem acarretar problemas, traumas, transtornos, conflitos das mais variadas espécies.

A psicoterapia vai amenizar, reduzir ou remover conflitos existentes, vai melhorar a autopercepção, levar ao autoconhecimento e promover a saúde mental do indivíduo.
Vale ressaltar que o trabalho é árduo e requer dedicação e boa vontade do paciente, pois o psicólogo está ali aberto e livre de julgamentos, para ajudar, mas até mesmo quem é treinado para tal fica impossibilitado em ajudar quem não quer ser ajudado.
Para o processo psicoterápico ser bem sucedido é necessário o querer, estar aberto e bem disposto para tal finalidade. Um psicólogo não é ninguém sozinho! Ele precisa do paciente que precisa dele, é uma troca, onde um aprende com o outro. Afinal, todas as nossas relações são de trocas.

É importante para quem está em busca de uma psicoterapia sentir se há empatia entre si e o profissional pelo qual procurou, o vínculo é criado ao longo do processo psicoterápico e é imprescindível que o profissional seja ético e neutro, preservando a confidencialidade e respeitando o momento do paciente.

A psicologia é uma ciência e dentro da mesma existem várias abordagens, linhas ou tipos, sendo elas: Psicanálise, TCC (terapia cognitiva-comportamental), Corporal, Sistêmica (casais), Ludoterapia (crianças), Psicodrama, Psicossomática, Psicodiagnóstico, Junguiana, Lacaniana, Humanista, Psicoterapia Breve entre outras. Cada uma tem seu diferencial e importância, e dependendo da disposição de quem a procura e estando com um bom profissional todas darão bons resultados.

Na psicologia hospitalar, a psicoterapia breve ou TCC será mais eficaz que uma psicanálise, mas esta será muito bem-vinda para quem se encontra com inúmeros conflitos internos e existenciais, e assim por diante.

Hoje muitos psicanalistas utilizam a psicanálise contemporânea, pois com as mudanças ocasionadas pelo mundo globalizado as teorias também se modernizam.

A psicologia está em todas as áreas: Organizacional, Institucional, Escolar, Esporte, Jurídica e Forense, e sem sombra de dúvidas é fundamental em todas, a tendência dessa área crescer é previsivel. E a demanda também!

Vimos recentemente que há pseudopsicólogos atuando em cidades do Brasil. Portanto, ao buscar um profissional dessa área ou de qualquer outra área da Saúde, consulte o Conselho Regional da cidade onde este profissional atua e consulta o seu registro, para que não seja vítima de prestadores de serviços indevidos.

No site do CRP: http://www.crpsp.org.br/portal/psicologo/psicadastrado.aspx

Constam todos psicólogos devidamente registrados na cidade de São Paulo. E este Conselho Regional de Psicologia que rege as regras que nós psicólogos devemos seguir.

Acho que deu para ter uma idéia do que é a psicoterapia e a sua importância, pretendo escrever mais a respeito, caso tenham dúvidas ou sugestões fiquem a vontade em se manifestar.

Deise Barreto.

"Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana" Carl G. Jung).

Simpósio de Psicopedagogia - "Desafios frente às violências" Em 27 e 28/05/2011.

AS TRANSFERÊNCIAS NA CLÍNICA PSICANALÍTICA (MODALIDADES, TEORIAS, INTERPRETAÇÃO E MANEJO CLÍNICO)


Docente:
Luiz Claudio Figueiredo
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Início: 21/05

Horário:
Sábado: 09:30 às 12:30

AS BASES NÃO-VERBAIS DA CLÍNICA PSICANALÍTICA


Docente:
Nelson Ernesto Coelho Júnior
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Início: 13/05
Horário:
6ª feira: 19:00 às 21:00

quinta-feira, abril 28, 2011

A Mulher Elástico por Maria Helena Fernandes[2]


Em uma tarde de domingo envolta em uma fina garoa paulistana, sou despertada do sonho dos meus pensamentos longínquos por uma solicitação dos meus filhos. Eles me pedem para levá-los ao cinema – querem assistir ao filme da Disney - Os incríveis.
Sou arrastada pelo entusiasmo deles a permanecer numa longa fila, na companhia barulhenta de uma infinidade de pais, avós e crianças que se acotovelam na entrada da sala do cinema na tentativa de conseguir um bom lugar. Pipoca, coca-cola e chocolate! Enfim, bem instalados nas poltronas, esperamos o filme começar.
Vou aos poucos sendo novamente transportada para os meus pensamentos longínquos pela fineza do filme. A imagem do cotidiano de uma vida familiar se desenha na tela. Uma vida cheia de encantos e desencantos, como todas as outras. Tarefas, alegrias e tristezas, limites e frustrações, lamentos e questionamentos são experimentados pelos personagens: um casal de ex-super-heróis e seus filhos que, impedidos de exercerem seus poderes, são obrigados a levar uma vida “normal”.
Compõem a família o Sr. Incrível, cujo poder está na força; a Sra. Incrível que se transforma na mulher-elástico; a filha mais velha, uma garota de uns 12 anos, magrinha e tímida, que pode se tornar invisível; o filho do meio, falante e ágil, cujo poder é correr a uma velocidade enorme; e um bebê, engraçadinho e comilão, que, de início, parecia ser o único a não ter nenhum poder de super-herói.
Vou me dando conta da fineza da escolha dos poderes dos personagens, à medida que me vejo facilmente interessada pela figura da mulher-elástico. Percebo ainda, na reação dos meus filhos, que eles também vão se interessando, aqui e ali, pelas características dos personagens, identificando semelhanças e diferenças entre estes e eles próprios. Não demora muito para trocarmos uns olhares de cumplicidade e umas risadinhas diante de algumas cenas que evocam algo muito conhecido para nós.
Saímos do cinema discutindo animadamente o filme, uma discussão que acompanhou a semana, evocando sempre, em mim e nas crianças, algum detalhe esquecido, alguma associação nova. Não preciso dizer que a partir daí a imagem da mulher-elástico não me abandonou mais. Que excelente representação para a mulher na pós-modernidade! Sou assim mais uma vez transportada aos meus pensamentos longínquos e vou ao encontro da psicanálise, em busca de um instrumental para continuar pensando na mulher-elástico.
Freud localiza o mal-estar do seu tempo na repressão da vida sexual devido à moral civilizada daquela época. Inicialmente, ele compreende que a neurose atinge mais as mulheres do que os homens - embora esteja certamente presente também nestes últimos - justamente porque elas são o alvo privilegiado dessa moral repressora. Ao restringir a sexualidade ao casamento, a sociedade da época de Freud organizava-se para manter a mulher no espaço privado, longe da “tentação” do espaço público, fonte de saber e de autonomia.
Desde a década de 50, as transformações no modo de vida das mulheres vêm se processando de maneira mais acelerada. A entrada no mercado de trabalho e o acesso à formação universitária e às novas formas de erotismo organizaram a luta feminina em defesa dos seus direitos. A pílula anticoncepcional e as mudanças nos contratos matrimoniais foram, aos poucos, igualmente organizando a saída da mulher do âmbito doméstico, e do exclusivo cuidado dos filhos, para o espaço público, antes reservado ao mundo masculino.
Essa progressiva conquista do espaço público trouxe para a mulher uma infinidade de ganhos que, como não poderia deixar de ser, exigiu seu preço. Um preço que solicita uma mudança na posição subjetiva da mulher, o que certamente exige a passagem pelo luto das perdas de garantia das antigas posições. Caminho tortuoso e difícil, pois a estrada em direção à autonomia, única via de acesso ao encontro com novas realizações, exige que a mulher assuma o preço da responsabilidade de uma posição de sujeito, propriamente desejante.
A mudança dos tempos traz sempre consigo a transformação dos ideais, que são o resultado das novas conquistas do ser humano no saber sobre si mesmo. Ocorre aí o abandono de interesses antigos e a descoberta de novos interesses e necessidades. No entanto, para as mulheres a mudança dos tempos trouxe também uma ampliação dos ideais. Ou seja, no que diz respeito à sua inserção na cultura, as mulheres confrontam-se hoje não apenas com as transformações dos ideais, mas com um verdadeiro acúmulo deles.
Presas à necessidade de corresponderem ainda aos ideais do espaço doméstico, reinado de suas mães, as mulheres se vêem hoje tendo de corresponder também àqueles próprios do espaço público, antes reinado exclusivo dos homens. Às voltas com a necessidade de percorrer o difícil caminho que qualquer mudança de posição subjetiva exige, as mulheres parecem ter hoje diante de si um espectro amplo de ideais a buscar alcançar.
Esticadas entre uma identificação passiva e materna e outra ativa e fálica, as mulheres vão tentando lidar com o excesso que caracteriza as demandas do seu cotidiano. Resulta daí um verdadeiro acúmulo que exige uma elasticidade nunca antes sequer possível de ser imaginada. Se a necessidade de perseguir ideais constrói a trajetória cultural do ser humano ao longo do tempo, a trajetória das mulheres nos permite constatar que, ao ideal de santidade e beleza, veio juntar-se também o ideal de sucesso, tão caro a nossa cultura pós-moderna.
Assim, a meu ver, a melhor representação do ideal da mulher pós-moderna é a figura da mulher-elástico, tão magistralmente ilustrada no filme infantil Os incríveis. Para tentar corresponder ao seu amplo espectro de ideais, a mulher pós-moderna precisa ter um funcionamento verdadeiramente elástico. Deve desempenhar-se, com sucesso, numa gama tão variada de funções que só mesmo uma elasticidade originária poderia lhe garantir, ao menos, algum êxito numa empreitada tão incrível, própria dos super-heróis!
Não posso deixar de pensar aqui que se a particularidade da relação da menina com a castração, tal como destacou Freud, assegura a esta uma dificuldade de acesso à sublimação e à construção do superego, é essa mesma particularidade que parece lhe garantir a elasticidade de sua organização libidinal e, conseqüentemente, a diversidade de suas possibilidades identitárias.
Se, por um lado, a experiência da mulher com seu corpo encontra na irredutibilidade da sexualidade perverso-polimorfa uma diversidade de possibilidades de gozo sexual, por outro, a diversidade identitária garante às mulheres uma elasticidade considerável de seus interesses, não apenas sexuais. Fala-se com freqüência nessa capacidade que têm as mulheres de fazerem muitas coisas ao mesmo tempo e de conservarem, simultaneamente, investimentos genuínos em interesses diversos. No entanto, para além dessa elasticidade originária, não existiria também nessa amplitude de exigências que caracteriza o cotidiano feminino, uma dimensão essencialmente conflitiva?
Em busca de corresponder a essa amplitude dos ideais próprios de sua época, a mulher-elástico precisa ser não só a mulher ideal, mas precisa também ter o corpo ideal. Além de mãe dedicada, compreensiva e bem-humorada, a mulher-elástico deve conservar-se sempre jovem. Amante ardente e bem disposta, apresenta uma tal diversidade de interesses que consegue perseguir, com igual obstinação, os exercícios físicos necessários à manutenção do corpo ideal, assim como seus interesses culturais nos destinos da humanidade.
Mantendo um pé na academia de ginástica e o outro na última mostra de cinema do momento, a mulher-elástico é medianamente culta. Bem-informada, fala de qualquer assunto, mesmo que deixando entrever uma certa mediocridade em muitos deles. Realizada e bem-sucedida profissionalmente, a mulher-elástico, além de magra, bonita e bem-cuidada, é também economicamente independente. Assiste a um filme de Godard com o mesmo entusiasmo que entra em uma churrascaria, embora se veja privada de boa parte do menu disponível. Serena e controlada, a mulher-elástico come carne, mas só se for acompanhada de salada!
A hipervalorização da magreza na pós-modernidade tem acentuado a relação entre a auto-estima e a imagem do corpo magro, particularmente para as mulheres. Há vinte anos as modelos pesavam 8% a menos que a média das mulheres; atualmente essa diferença subiu para 20%. Embora a aparência física seja um elemento fundamental na imagem da mulher em diversas épocas e culturas, a magreza nem sempre foi o ideal almejado. Muito pelo contrário.
Uma breve passagem pela história da arte revela que a Renascença valorizava mulheres de corpo farto, quadris grandes e abdomens avantajados. Embora se saiba que a exigência de magreza nas mulheres tenha começado por volta dos anos 20, em sintonia com o início do movimento de liberação da mulher, nas décadas de 40 e 50 as estrelas de Hollywood, como Rita Hayworth, por exemplo, encarnavam o modelo das mulheres de seios fartos e corpos curvilíneos, valorizadas por seu sex appeal. Essa exigência de magreza parece se intensificar a partir dos anos 60 e se acentua consideravelmente nos anos 70. A imagem do corpo ideal começa a centrar-se na imagem de um corpo magro e de formas menos arredondadas.
Embora os padrões estéticos tenham se modificado consideravelmente com o tempo, a luta para atingir o ideal de beleza vigente é algo que marca a relação da mulher com seu corpo em todas as épocas e culturas. Michel de Montaigne chama a atenção em seus ensaios, escritos em 1580, para o fato de que as mulheres desprezam a dor em função da vaidade. É assim que, ao longo dos tempos, as mulheres escravizam seus corpos em nome do ideal de beleza ao qual aspiram em cada época.
Houve o tempo em que esfolavam a pele para adquirir a tez mais fresca, ou buscavam propositalmente estragar o estômago para conseguirem a palidez valorizada na ocasião ou, ainda, apertavam o ventre em duros espartilhos para exibir um corpo delgado. Qualquer semelhança com a submissão das mulheres atuais aos tratamentos estéticos e cirúrgicos, muitas vezes bastante dolorosos, ou sua especial dedicação às dietas alimentares para emagrecer, muitas vezes radicais e perigosas para a saúde, não é uma mera coincidência.
O ideal de magreza domina a cena pós-moderna, tendo se constituído não somente como sinal do corpo ideal, mas também como sinal de sucesso. Constituindo-se até como sinal de perfeição moral, o corpo magro é a senha do sucesso, passaporte para se conseguir beleza, poder e dinheiro. Assim, o ideal do corpo magro e de formas bem-esculpidas exige da mulher-elástico disciplina e firmeza, só desse modo poderá permanecer no ringue da luta em busca da beleza fetichizada pelo seu tempo.
Engajada na busca da beleza magra, do corpo fino e rígido, lança-se a mulher-elástico na corrida insana para não perder o bonde do seu tempo. Escrava da amplitude e diversidade dos ideais, dos quais precisa ao menos conseguir se aproximar, a mulher-elástico, vitimada pelo excesso e pelo cansaço diante de suas incríveis atribuições, vive culpada frente à constatação da impossibilidade de ser tudo isso que se exige dela.
Endividada consigo própria e com os outros que a cercam, a mulher-elástico é, ao mesmo tempo, por definição, culpada e impotente. Experimentando sempre uma dolorosa sensação de que algo lhe escapou, de que algo transborda sempre do seu cotidiano impossível, a mulher-elástico constata, desamparada, que seu corpo dói!
Cabe aqui uma primeira pergunta: para que tudo isso? Às vezes é no ponto limite da dor que se pode encontrar, ou reencontrar, o próprio limite a essa espécie de tirania velada que nos leva, freqüentemente, a nos posicionarmos como objeto no desejo do outro. Ora, se a psicanálise não nos oferece respostas, ela certamente nos ensina a formular perguntas. Poder reinventar, a cada dia, os caminhos do próprio desejo, e seguir construindo um discurso próprio supõe uma mudança de pergunta: para quem tudo isso? Essa mudança de pergunta supõe a existência de um sujeito a quem se destinam os esforços realizados e, certamente também, os prazeres das vitórias conquistadas. Isso exige que a mulher se pergunte, a cada vez, se é ela mesma o destinatário desses esforços, se é ela mesma o sujeito dessa pergunta.
Todas nós experimentamos na carne as diversas formas de manifestação da angústia que essa exigência de elasticidade acaba por despertar no cotidiano. Se abandonar o terreno das certezas não é nem mesmo uma escolha para a mulher pós-moderna, visto que há muito as certezas já se foram, nos resta entretanto a possibilidade de reconhecer a dimensão essencialmente conflitiva colocada em cena pelas nossas próprias conquistas em direção à autonomia.
Obviamente, não se trata de culpabilizar as conquistas e os avanços obtidos através delas, nem muito menos de defender um retrocesso a posições anteriores. Sem ilusões, devemos admitir que o que tínhamos antes certamente não era melhor do que o que temos hoje. Devemos, ao contrário, usufruir prazerosamente de tudo que foi conquistado. Trata-se, então, de nos colocarmos no interior mesmo do conflito para poder problematizá-lo, para circunscrevê-lo através da circulação de perguntas e não da enunciação de ingênuas certezas.
E, assim, em nosso caro mundo pós-moderno seguiremos adiante, todas nós, mulheres-elástico, cansadas, doloridas, culpadas e cheias de incertezas, porém, sem jamais perder um certo brilho que insiste em sobreviver, que insiste em clarear as perguntas. Uma espécie de testemunho de rebeldia, que nos constitui e nos habita. Herdeiras da Fênix, somos consumidas pelo fogo com mais freqüência do que seria desejável, no entanto... renascemos das cinzas! talvez somente por teimosia ou, simplesmente, por insistir em sustentar a esperança de viver meramente, como diz Caetano, sabendo “a dor e a delícia de ser o que é”.

Bibliografia

ALONSO, S. L., GURFINKEL, A.C. & BREYTON, D.M. (orgs.) Figuras clínicas do feminino no mal-estar contemporâneo. São Paulo: Escuta, 2002.
ALONSO, S.L. & FUKS, M. P. Histeria (Coleção “Clínica Psicanalítica”). São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
BIRMAN, J. Gramáticas do erotismo: a feminilidade e as suas formas de subjetivação em psicanálise. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
FERNANDES, M.H. “Uma clínica psicanalítica do corpo: auto-erotismo e feminilidade”. Estudos de Psicanálise, 23:7-21, 2000.
FERNANDES, M.H. Corpo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
FERNANDES, M.H. Transtornos alimentares: anorexia e bulimia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.
FUKS, L. B. “Diferentes momentos da evolução feminina”. In ALONSO, S. L., GURFINKEL, A.C. & BREYTON, D.M. (orgs.) Figuras clínicas do feminino no mal-estar contemporâneo. São Paulo: Escuta, 2002.
GOMES, P. B. “Scheerazade feminista?”. In O método terapêutico de Scheerazade: mil e uma histórias de loucura, de desejo e cura. São Paulo: Iluminuras, 2000.
GURFINKEL, A. C. “Sexualidade feminina e fobia”. In: Fobia (Coleção “Clínica Psicanalítica”). São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.
KEHL, M.R. Deslocamentos do feminino. Rio de Janeiro: Imago, 1998.
KEHL, M.R. A mínima diferença: masculino e feminino na cultura. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
MONTAIGNE, M. Essais. Livre 1 (1580). Paris: Garnier-Flammarion, 1969.
VOLICH, R.M. “O eclipse do seio na teoria freudiana: a recusa do feminino”. Percurso, 14:55-64, 1995.


Esta é uma versão revista e ampliada do texto que foi publicado originalmente na Revista Viver Mente &Cérebro, 161:28-33.

[2] Psicanalista, Doutora em Psicanálise e Psicopatologia pela Universidade de Paris VII, com pós-doutoramento pelo Departamento de Psiquiatria da UNIFESP, professora do Curso de Psicossomática do Instituto Sedes Sapientiae e autora dos livros L’hypocondrie du rêve et le silence des organes: une clinique psychanalytique du somatique (Villeneuve d’Ascq: Presses Universitaires du Septentrion, 1999), Corpo (Coleção “Clínica Psicanalítica”. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003) e Transtornos Alimentares: anorexia e bulimia (Coleção “Clínica Psicanalítica”. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006).
REALENGO, 7/4/2011
Deixar a vida para entrar no espetáculo

Por Eugênio Bucci em 9/4/2011

Psicanalistas, psicólogos e criminologistas vêm apontando traços comuns no perfil desses sujeitos que, de repente – e de uma vez –, descarregam suas armas contra adolescentes dentro da escola. Os assassinos são sempre do sexo masculino. São retraídos. São jovens. São suicidas. Os hábitos também são comuns. No período anterior ao crime – que pode se estender por meses ou mesmo por anos –, eles mantêm, em geral, uma rotina reclusa, sobre a qual não gostam de conversar. Freqüentam sites sobre armas e também sobre fundamentalismos, religiosos ou políticos. Procuram se adestrar em práticas militares. Depois, quando é tarde demais, descobre-se que deixavam pistas, algumas até conscientemente, indicando tendências destrutivas. Acontece que essas pistas não eram notadas. Aí, dizem alguns psicólogos, estaria o gatilho de tudo: eles não eram notados. Eles não conseguiam ser notados.

Nesse ponto, a análise dos perfis psicológicos, que é da competência dos psicanalistas e criminologistas, encontra nexo com o estudo das linguagens e da comunicação social. Se é verdade que o gesto monstruoso tem ao menos parte de sua origem no impulso agora incontrolável de se fazer notar – o que é matéria para os psicanalistas –, o lugar em que esse gesto procura se instalar, para que seu autor seja finalmente olhado, é a manchete de jornal – e isso é objeto dos estudos da comunicação. Esse tipo de homicida teria sua gênese, como todos os outros, no perfil psicológico, mas o seu gesto final seria da ordem do espetáculo. Por isso, é possível que parte da compreensão desses crimes ainda venha a ser completada pelos estudos da mídia, uma vez que, nesse caso, o desejo de matar se confunde com o desejo de platéia.

Na civilização da imagem – que é a nossa –, a invisibilidade pode ser um inferno em vida. Não ser visto, ou, mais que isso, não conseguir ser ao menos visível, equivale a não existir. Um adolescente perseguido pelo fantasma da invisibilidade talvez se sinta como se, olhando-se num grande espelho, ao lado dos colegas, não conseguisse ver refletida a sua própria imagem ao lado das imagens dos outros. Num tempo em que todas as representações só existem quando passam pelas imagens – imagens reconhecíveis e valorizadas pela comunidade a que se pertence –, livrar-se da invisibilidade é uma questão de vida ou morte.

O terrorismo em causa própria.

É óbvio que são muitos os criminosos que, pela violência, buscam uma revanche. Aqui, no entanto, existe uma particularidade mórbida: o vetor desse acerto de contas é, invariavelmente, a chamada "mídia". Esses rapazes que matam seus pares aos montes e, assim, tentam trocar a insignificância pelo superestrelato, que dá picos de audiência e bate recordes de vendagem nas bancas, não estariam saciados e não se sentiriam vingados se cometessem suas atrocidades no escuro, longe das platéias. De escuridão e invisibilidade, já basta sua biografia. Em seu apogeu de sangue, o fundamental é ser visto. As mortes são um atalho – necessário, por certo, mas não passam de um atalho – para a fama total. Assim, seu acerto de contas não dispensa os holofotes.

A constatação é perturbadora. Por tudo o que se pode observar nesses crimes, os homicídios só acontecem porque seus autores desejam ser olhados – e, se é que alguma certeza pulsa nos descaminhos do desejo, eles têm a certeza de que serão olhados. Eles não calculam, racionalmente, o crime indescritível como se ele fosse uma estratégia. Bem ao contrário, eles internalizaram, inconscientemente, a lógica da visibilidade midiática como se esta fosse a única lógica possível da existência. Com suas atrocidades, esses pobres meninos monstruosos suplicam uma esmola ao imenso olhar que transborda pelo mundo. Por isso, eles se dirigem à mídia na hora de matar. É com ela que negociam. É com ela que conversam, seja por meio de uma carta-testamento ou de um vídeo que em seguida vai parar no YouTube. Sim, eles sabem que serão olhados, mas não sabem que matam por isso.

Não obstante, as crianças que morreram numa escola do Realengo, no Rio de Janeiro, no dia 7 de abril de 2011, morreram por isso e para isso. Suas vidas foram o atalho para o assassino carente de olhar. Morreram como se fizessem uma abertura de um grande show, cujo clímax é o suicídio de seu algoz. Nesse ritual, o assassino firma um pacto: em troca da fama que sempre quis ter, ele mata e também se mata. Eis o que vai redimi-lo. Não há vida depois da morte: há o espetáculo e isso lhe basta. Ele é o terrorista em causa própria. Sim, um terrorista, pois o terror que inspira não se esgota com ele: depois dele, virão outros. O medo aumenta.

A forma vazia da morte múltipla

Falei há pouco de um nexo entre o psiquismo desses rapazes e as representações imaginárias nos meios de comunicação. Esse nexo nos ajuda a entender o que ainda desconcerta analistas que não vêem nesses crimes uma dimensão específica que eles têm: a dimensão de um ato de propaganda, que procura tomar de assalto o olhar do mundo.

Esse tipo de crime é concebido e encenado como atentado midiático – e isso é o que ele tem de mais central. O seu formato é padronizado, ou, para sermos exatos, industrialmente padronizado. Assim como há gêneros de filme, todos eles industrialmente padronizados, assim como também foram industrialmente padronizados os gêneros de orientação sexual, os gestuais e estereótipos religiosos, de estilos musicais, as manifestações políticas, esse tipo de assassinato de múltiplas vítimas simultâneas se articula como linguagem midiática.

Tanto é assim que essa modalidade de crime obedece a um protocolo em sua forma: os disparos são rápidos e se prolongam até que venha a resistência, trazendo consigo o olhar da sociedade alarmada. Além da forma, porém, não há mais nada. Essa modalidade de crime não tem conteúdo nenhum. Ele é uma forma vazia, que se alastra pelo mundo na mesma onda em que a indústria do entretenimento abraça os continentes. É aparência vazia. Tem o formato e o ritmo milimetricamente delineados pelo espetáculo – e não tem sentido.

Visto pela psicologia, o seu protagonista mata os semelhantes para matar seus próprios demônios, que cortaram seu acesso à razão. Visto como um fenômeno de comunicação, porém, ele assume outra figura. Ele irrompe na cena porque matou e também porque se matou. Ou, então, ele matou e se matou para, finalmente, aparecer. Ele morreu para existir naquela instância de representação que o ignorava. E isso é tudo.

Gostava de música americana

Alguém então perguntaria: mas então esse é um formato de crime tipicamente americano? A resposta seria sim, ele é americano na mesma medida em que o rock é americano, em que o filme de ação é americano, em que o paradigma de juventude da nossa era é um pouco inglês, um pouco francês, vá lá, mas é fundamentalmente americano, assim como a democracia de massas é tipicamente americana. Ele é americano assim como as narrativas que nos amarram são predominantemente americanas. Ele é americano, por certo, mas não isso não significa que ele seja culpa dos americanos, por favor.

A tendência de que essa modalidade de crime se banalize está definitivamente instalada. No curso da banalização, ela irá se diluir como forma até perder o interesse. Antes disso, no entanto, os jornalistas terão de se ocupar, ainda outras vezes, e sempre tragicamente, de horrores análogos. É possível que eles se indaguem, às vezes, se devem dedicar tanto destaque a essas coberturas. É possível que se questionem: será que tanta manchete, tanta capa de revista, tanto horário nobre, será que tudo isso não vai encorajar outros criminosos com o mesmo perfil? Será que outros, que também se torturam ao não ver sua imagem refletida no brilho do olhar das meninas da escola, não vão empunhar uma metralhadora para pleitear seu lugar de destaque na galeria infame que nós mesmos, jornalistas, ajudamos a fabricar? Se é dever da imprensa noticiar os males que se fazem às escondidas, da corrupção ao genocídio, é dever dela amplificar as matanças que só foram perpetradas porque desejavam a atenção dos holofotes?

Mesmo assim, o jornalismo continuará a noticiar o que se vê impelido a noticiar, e virão outros para a mesma galeria. Não há o que o jornalista possa fazer. Ou há pouco, muito pouco: omitir um nome aqui, atenuar a dramaticidade ali, tudo isso é pouco. No mais, não cabe ao jornalismo resolver esse problema. Aliás, o jornalismo não dispõe de mandato – nem da ontologia, nem da epistemologia – que lhe permita equacionar tamanho problema.

Esse problema apenas passa pelo jornalismo, mas não começa nem se resolve no jornalismo. Ele ultrapassa o campo exíguo da imprensa e mergulha nos subterrâneos de uma sociedade que não se cansa de perguntar se há felicidade do outro lado do muro do ideal do bem, que aprendeu a idolatrar a força dos que dizem viver além da lei, que acredita que a dimensão mais sublime da ética está nos grunhidos de Marlon Brando como capo mafioso, que entende a vida como se a vida fosse um filme, no qual é melhor ter o papel de bandido do que não ter papel nenhum. Se a fama vale mais do que a alma e do que a vida, por que não dissecar e expor os interstícios da personalidade dos que matam para virar notícia póstuma? O que pode haver de mais intrigante, fascinante e repulsivo que isso?

Assim, as estrelas do mal são notícia. Os que sacrificam os nossos inocentes são a nossa esfinge: não temos como ignorá-los; não temos como não noticiá-los. Mas teremos como superá-los? Iremos escapar deles?

A celebridade do que existe de mais vil

O jornalismo não dispõe de argumentos para se recusar a dizer o nome desses criminosos todos. Não tem como não dar a foto. Não pode sonegar às pessoas o que as pessoas querem saber. E têm o direito de saber. Agora: que é perturbador, é muito perturbador. Um sujeito vai lá, mata uma porção de crianças, e ainda ganha de presente a fama adorada, e vazia, pela qual matou – e morreu. E sabemos todos que virão outros.

XIV Encontro de Intercâmbio Interregional - 10 e 11 de junho de 2011.




PROGRAMAÇÃO
6ª feira - 10/06

MANHÃ
8h30 às 9h INSCRIÇÃO


9h às 10h30 PALESTRA
"As mudanças interculturais e as interferências no desenvolvimento psíquico da criança e do adolescente" (Observações clínicas)
Apresentadora: Alicia Myrella de Kartzow (APCH)
Coordenadora: Suzana Grunspun (SBPSP)


10h30 às 11h Coffee break

11h às 12h30 PALESTRA
"Reflexões de análise de um gêmeo de 11 anos"
Apresentadora: Elena Piazzon (SPP)
Coordenadora: Sonia Maria Camargo Marchini (SBPSP)

12h30 Almoço

TARDE
14h às 16h SEMINÁRIOS TEMÁTICOS
Criança autista
Apresentadora: Mariângela Mendes de Almeida (SBPSP)
Latência e suas peculiaridades
Apresentadora: Nilde Jacob Parada Franch (SBPSP)
O adolescente borderline
Apresentador: Sergio Nick (SBPRJ)

16h às 16h30 Coffee break

16h30 às 18h30 DISCUSSÃO DE MATERIAL CLÍNICO DE CRIANÇA
Apresentadora: Maria Tereza Pinheiro Castelo (SBPSP)
Coordenadora: Regina Elisabeth Lordello Coimbra (SBPSP)
Comentadores: Elena Piazzon (SPP)
Alicia Myrella de Kartzow (APCH)
Maria Victoria Niño Villamarin (APC)

20h30 ABERTURA
Palavras do Presidente da Fepal - Leopold Nosek e do
Presidente da SBPSP Plinio Kouznetz Montagna
Coordenação: Neyla Regina de Ávila Ferreira França (SBPSP)

Painel sobre Formação
A observação de bebê e sua importância na formação
Apresentadora: Alicia Beatriz Dorado de Lisondo (SBPSP)



Sábado - 11/06

MANHÃ
8h30 às 10h DIÁLOGO COM ESTUDANTES - 3 GRUPOS
Saiba mais

10h às 10h30 Coffee break

11h às 12h30 PAINEL SOBRE INTERVENÇÕES
Intervenção: na UTI Neonatal
Mariza S. Inglez de Souza (SBPSP)
Intervenção: clínica de 0 a 3
Maria Cecília Pereira da Silva (SBPSP)

12h30 Almoço

TARDE
14h às 15h30 PALESTRA
"O corpo enfermo em psicanálise: gerando uma atmosfera de trabalho e uma menina de 11 anos com “Colite ulcerativa”"
Apresentadora: Maria Victoria Niño Villamarin (APC)
Coordenadora: Maria Thereza de Barros França (SBPSP)

15h30 às 16h Coffee break

16h às 18h DISCUSSÃO MATERIAL CLÍNICO DE ADOLESCENTE
Coordenadora: Maria Helena de Souza Fontes (SBPSP)
Apresentadora: Ana Maria Stucchi Vannucchi (SBPSP)
Comentadores: Elena Piazzon (SPP)
Alicia Myrella de Kartsow (APCH)
Maria Victoria Niño Villamarin (APCH)

18h ENCERRAMENTO







INFORMAÇÕES E INSCRIÇÕES
Telefone: 11 2125-3700 | Site: www.sbpsp.org.br

Estudantes
Até 30/05 - R$40,00

Membros e Filiados
Até 30/04 - R$60,00 | 01/05 a 30/05 - R$65,00

Profissionais
Até 30/04 - R$65,00 | 01/05 a 30/05 - R$70,00

Após 30/05 - R$80,00

USP promove o seminário internacional Visitação Domiciliar - Prevenção da Violência e Promoção do Desenvolvimento Saudável da Primeira Infância.

Cidade Universitária recebe seminário internacional sobre prevenção da violência.




USP Online

O Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP promove o seminário internacional Visitação Domiciliar - Prevenção da Violência e Promoção do Desenvolvimento Saudável da Primeira Infância, nos dias 9 e 10 de maio.

O evento contará com a presença de profissionais envolvidos em reconhecidos e bem avaliados programas de visitação domiciliar e, também, de pesquisadores acadêmicos com extensa experiência sobre o tema. Serão discutidos caminhos alternativos para enfrentar os principais desafios que emergem quando se trabalha com famílias em situação de grande vulnerabilidade, tratando de temas como violência familiar, abuso de substâncias e problemas mentais ou rebaixamento intelectual entre os cuidadores.

O seminário ocorre no Auditório do prédio FEA 5, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, que fica na Av. Prof. Luciano Gualberto, 908, Cidade Universitária, São Paulo. As atividades terão início às 9h nos dois dias. A programação completa pode ser acessada no site do evento.

A participação é gratuita, e as inscrições devem ser realizadas pelo site www.primeirainfancia.nevusp.org/index.php/pt_br/inscricoes, até sábado (30). As vagas são limitadas.

Mais informações: (11) 3091-4965

http://www4.usp.br/index.php/sociedade/21229-cidade-universitaria-recebe-seminario-internacional-sobre-prevencao-da-violencia