Entrevista fornecida ao Jornal Correio Braziliense 27/12/2011 - O Clube Antirréveillon


O CLUBE ANTIRRÉVEILLON

Quando o som estridente dos fogos de artifício e o tilintar dos copos anunciarem que os ponteiros do relógio se aproximam da meia-noite, uma multidão vestida de branco vai se unir na contagem regressiva que tradicionalmente marca o réveillon.
Enquanto todos estiverem celebrando a chegada de 2012, Catharina Camargo vai dar início a uma comemoração incomum. Longe das badaladas festas regadas a álcool e da comilança farta, ela vai vestir o pijama para passar mais uma noite de ano-novo dormindo. Enquanto a grande maioria das pessoas se programam durante meses para a noite de 31 de dezembro, ela prefere manter distância do agito. Para ela, as festas de fim de ano são pretextos para gastar mais dinheiro e fingir que o ano seguinte vai ser melhor. “As pessoas usam o réveillon para tentar consertar o que não conseguiram durante o ano ou durante a vida toda”, afirma. Caseira, Catharina prefere ficar em casa assistindo a filmes, lendo ou curtindo seus bichos de estimação. “Só vou a festas quando preciso fazer o social”, afirma a analista de sistemas. Desde a juventude, Maria Miranda, 58 anos, não consegue festejar a virada. “Sinto uma espécie de solidão, uma angústia”, revela a administradora, que vai passar o ano-novo em casa, como de costume. “Vou jantar sem requinte, no horário habitual, ler, ver um pouco de televisão e, às 22h30,no máximo, vou para a cama”, conta. Apesar de não participar dos rituais característicos da virada, Maria diz que a forma como costuma passar a noite de 31 de dezembro a faz se sentir totalmente renovada e pronta para o ano que se inicia. “Até fico com a impressão de que aproveitei mais do que as pessoas que passaram a noite festejando.” A psicóloga clínica Deise Alves Barreto explica que os sentimentos são potencializados durante as festas de fim de ano, principalmente o que ela chama de “pseudounião”. Esse frenesi temporário pode deixar as pessoas mais questionadoras com falsos sentimentos durante as festas. A psicóloga destaca que faz parte da natureza humana procurar momentos de isolamento e introspecção “para entender melhor o que se sente, vive e deseja”. Ela só alerta que o isolamento torna-se perigoso quando as pessoas se excluem do círculo social e não encontram prazer fora de seu mundo particular.
Time do contra
A personalidade de Catharina e Maria Miranda pode surpreender muita gente, mas não é novidade para o professor de educação física Epi José Benvindo, 29 anos.Mais um integrante
do time do contra, ele às vezes até participa de algumas festas, mas confessa que gosta mesmo é de ficar em casa.Os planos para este ano não incluem roupas de cores específicas nem mandingas de qualquer tipo. “Se não houver nenhum empecilho, espero passar a virada em casa, estudando”, afirma. Os motivos que o fazem preferir os livros às multidões são muitos, entre eles o estresse que costuma cercar as saídas na última noite do ano, como a dificuldade de encontrar estacionamento, motoristas embriagados e o medo de assaltos e furtos.
Funcionário de uma academia, Benvindo está acostumado com promessas que não vão muito longe, como projetos para alcançar o corpo perfeito a tempo da alta temporada do verão dias antes da virada do ano. Ele, no entanto, não se deixa levar pelo que chama de “metas improváveis”. O professor prefere seguir um caminho mais longo à custa do trabalho, o que explica a decisão de passar a virada estudando. “Meu maior sonho é ser nomeado em um concurso público do Poder Judiciário”, revela José. Para o psicólogo Cássio Veludo, especialista
em psicodrama e mestre em psicologia e cultura pela UnB, Benvindo está trilhando o caminho certo. “Todo planejamento, seja de uma empresa ou de uma vida, necessita esforço, disciplina, dedicação e perseverança”, explica. Um dos principais motivos que levam as promessas de fim de ano ao naufrágio, segundo Veludo, é o hábito de deixar tudo para a última hora. “É preciso abrir mão das facilidades e das coisas prazerosas ao longo do ano”, destaca o psicólogo.
Társis Dantas, 25 anos, também tem seus motivos para não se empolgar com a virada do ano. Ela conta que até pouco tempo atrás comemorava a passagem, mas as coisas mudaram com o ingresso no mercado de trabalho, que muitas vezes exige que a enfermeira passe os recessos trabalhando. “Isso não me pertence mais”, brinca ela. Além disso, Társis acredita que o réveillon é uma “comemoração sem sentido”, já que boa parte das juras de ano-novo não vinga. “Todos fazem milhares de promessas, desejam paz, vestem branco, mas não colocam esses sentimentos em prática”, justifica.
Determinada a quebrar o círculo vicioso das promessas inacabadas, Társis tomou uma atitude.
“Este ano eu decidi não esperar o ano novo e comecei as mudanças agora.”
Pressão social
Por não seguirem a maré, pessoas que não gostam das festividades de fim de ano muitas vezes são taxadas como antissociais. “Sou considerada a estranha no meu trabalho”, conta a analista de sistemas Catharina, que causa estranheza também por nunca beber álcool e ser vegetariana. Ela, no entanto, diz não se abalar. “Trabalho, vou ao cinema, faço caminhadas e vivo muito bem com meus cães e gatos”, garante. Társis convive com o mesmo tipo de julgamento. De tanto recusar convites, ela deixa de ser convidada e frequentemente ouve de conhecidos que precisa “viver mais”. “Não posso mudar o que sou e o que penso para agradar.” A psicóloga Deise Barreto concorda com essa afirmação da enfermeira: “Não vale a pena se desagradar para agradar pessoas que nem sequer te compreendem”, avalia a psicóloga, que ressalta que ir contra a própria vontade deixa “um tremendo mal-estar, que gera angústia e só causa sofrimento”. Nesses casos, Cássio Veludo destaca que o importante é se conhecer. “Se a pessoa realmente não gosta das festividades e entende o motivo disso, fica mais fácil sustentar a decisão e levar com bom humor as brincadeiras.
Aliás, bom humor é, nessas horas, a melhor estratégia”, ressalta o psicólogo. Catharina aprova a sugestão do especialista e garante que há muito tempo a coloca em prática. “O pessoal fala e ri de mim, mas eu sorrio junto. “Acho um barato observar a artificialidade das pessoas e perceber que, do jeito que sou, tenho amigos”, revela.

Editora: Ana Paula Macedo.
Fonte: CORREIOBRAZILIENSE • Brasília, terça-feira, 27 de dezembro de 2011